Sabemos o quão traumático pode ser impor uma leitura a um adolescente que esteja finalizando o ensino médio.
Além do desinteresse habitual que muitos desses alunos já manifestam em relação ao hábito de ler, há a escolha das obras que, geralmente, fazem parte do cânone dos clássicos, sendo ditadas por questões da tradição, cuja linguagem é considerada como difícil, que dificulta a compreensão, com um vocabulário que não faz parte da nossa comunicação atual, etc. Dessa forma, muitos estudantes deparam com obras que não estão no seu rol de interesses pessoais e, assim, acabam trocando tais leituras, como José de Alencar, Machado de Assis ou Guimarães Rosa, pelas sagas Harry Potter ou Crepúsculo.
O que se vê, portanto, é a negligência do aspecto mais subjetivo ligado à leitura, a partir da qual não se tem um espaço para debater as obras em nível de enriquecimento pessoal, que escape das análises de interpretação fechadas e limitadas por fichas de leitura e questionários padronizados, o que acaba por cercear a criatividade do aluno, a anulação da experiência pessoal e, consequentemente, a ausência de prazer na leitura realizada.
Não estamos aqui para emitir algum juízo de valor a respeito da leitura X ou Y, mas queremos considerar duas questões:
- primeiro, a necessidade de levar em consideração a experiência de leitura dos estudantes e tudo que a completa, como a identificação com um personagem, a relação do leitor com a temática do livro, o porquê dessa escolha, entre outras motivações;
- segundo, a importância que os clássicos têm para a formação do gosto literário, assim como para o delineamento do repertório cultural.
A leitura é o melhor meio para a (re)construção do conhecimento, mas também é bastante significativa para a formação humana dos indivíduos. Por isso, não se deve desconsiderar a expressão singular da subjetividade do leitor, visto o envolvimento simbólico resultante desse elemento com a dimensão antropológica da literatura. Na tríade autor-obra-leitor, este também atua de forma ativa para “completar” a obra literária, ressignificando-a. O investimento pessoal realizado no ato de ler ultrapassa os seus limites e confere algo mais à existência do sujeito-leitor.
A partir daí, a leitura adquire sentido e torna-se permanente na vida do indivíduo.
Logo, no ambiente escolar, sobretudo no que diz respeito à escolha das obras a serem lidas durante o processo de ensino-aprendizagem, é preciso atentar para a recepção e a experiência estética do aluno, acolhendo seus afetos, bem como a descoberta dos dilemas pessoais que ele identifica nas suas leituras.
Por outro lado, nesse processo não podemos também desprezar a importância dos clássicos, visto a universalidade dos seus temas, que tratam sobre aspectos inerentes à condição humana. As obras canônicas são representações da realidade sob perspectivas singulares, o que leva o leitor a enxergar o mundo sob outras óticas também. Tais apontamentos, ainda, nos fazem concluir que, por meio do cânone, nossa percepção se expande e enriquece a nossa capacidade de compreensão, até mesmo, sobre obras atuais, visto que
“os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.”
(CALVINO, 1993, p. 10-11).
Além disso,
“clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda.”
(MACHADO, 2002, p. 15).
Por isso, são necessárias novas práticas didáticas que proporcionem uma maior atuação do estudante-leitor e uma melhor recepção dos clássicos no âmbito escolar. Essas práticas devem contemplar tanto a capacidade interpretativa do aluno quanto o interesse dele pela temática abordada em uma obra literária.
Assim, por meio dessa breve exposição, podemos concluir que devem ser valorizadas a interação entre o leitor e o texto, as escolhas pessoais do estudante, a bagagem de leituras que ele porventura já possua e os elementos que fazem parte do seu cotidiano.
Uma missão árdua para o professor, que carrega sobre si todo o peso de um sistema que impõe uma série de restrições ao seu trabalho.
Contudo, tenhamos fé nesse profissional da educação que também é (ou deveria ser), antes de tudo, um leitor.
REFERÊNCIAS
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Blogger, Andarilha na Literatura e Doutora em Letras. Colunista na Revista Entre Poetas e Poesias.